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Informazione sulla pubblicazione:
Miscellanea: À volta da edigào do «Apparatus in Concilium Quartum Lateranense » de Mestre Vicente Hispano

 
 
 
Foto Domingues de Sousa Costa Antonio , Miscellanea: À volta da edigào do «Apparatus in Concilium Quartum Lateranense » de Mestre Vicente Hispano, in Antonianum, 56/4 (1981) p. 815-831 .
Sommario in spagnolo:

Certamente que os estudiosos da historia do Direito Canónico e das suas Instituicóes experimentaram redobrado regozijo com a noticia da edicáo em moldes científicos dos cánones ou constítui-:6es do Concilio IV de Latráo do ano 1215, a que, em boa hora, o Prof. Antonio García y García lancou suas máos de mestre, dirigidas por capacidade nao comum e robustecidas por experiencia de muitos anos de estudo e famíliaridade com os códices de obras jurídicas, sobretudo da canonista medieval. O contentamento terá, sem dúvida, aumentado, alias como sucedeu com o autor destas linhas, por se ter verificado que a edicáo abarca também os comentarios dos glossa-dores das constituicóes do Concilio, ou seja os Apparatus in Conci-lium Quartum Lateranense de Joáo Teutónico, Apparatus in Conci-lium Quartum Lateranense de Vicente Hispano e Apparatus in Con-cilium Quartum Lateranense do canonista Dámaso Húngaro.

A propósito, lembro, com prazer, que ao Prof. Antonio García y García se deva a identificacáo do autor deste último apparatus, en­contrado em 1937 pelo Prof. St. Kuttner no único códice, até agora conhecido, deste comentario, que o benemérito historiador do Di­reito Medieval apresentou entáo ao mundo científico como anónimo. ^través de estudo comparativo minucioso das obras de Dámaso, o qual tinha escrito, como se sabe, um comentario ás constituicóes do Concilio IV de Latráo, estudo esse de colacáo com o apparatus do dito canonista Dámaso Húngaro, existente nesse único manuscrito conhecido até agora da Biblioteca Mediceo-Laurenziana de Florenca, MS S. Croce III sin. fls. 86r-107v, e bem assim com o apparatus ou comentario de Mestre Vicente Hispano (pp. 389-410), o Prof. García y García conseguiu alicercar a sua anterior hipótese de que real­mente Dámaso Húngaro é autor deste comentario apparatus de Dámaso contém varias glossas de Vicente Hispa­no, tiradas do apparatus ou comentario ás constituicóes do IV Con­cilio de Latráo (pp. 389-390). Segundo García y García, baseado na glossa ao canon 23, palavra vel alterius — « Set papa Innocentius ita interpretatus est illa iura in quadam disputatione... » — poder-se-ia afirmar ser « posible que el apparatus fuese elaborado antes del verano de 1216 » (pp. 411-412). Neste contexto, o facto de Dámaso transcrever muitas glossas do apparatus de Vicente Hispano é, por isso, de ter em conta, nao só quanto á paternidade das ideias do cano­nista portugués, em relacáo a Dámaso, como também para a data-cao de ambos os comentarios. E eu abalancar-me-ia até a realcar coincidencias quanto ao lugar e data de composicáo dos apparatus de Mestre Vicente e do canonista húngaro, sem descurar alias urna ou outra consideracáo sobre o apparatus de Joáo Teutónico, tido, entre os especialistas na materia, como o primeiro comentario as constitui-cóes do Concilio IV de Latráo. Além disso, nao perderei de vista o caso do apparatus sobre as Decretáis de Gregorio IX, porque Vicente Hispano inseriu nele muitas glossas do seu apparatus sobre as consti-tuicoes do IV Concilio de Latráo. E comeco as minhas consideracoes por este último ponto.

Já tive ocasiáo de debrucar-me sobre os problemas da data e lugar de composicáo do apparatus de Vicente Hispano sobre o Con­cilio IV de Latráo, relacionando-os com os dados biográficos de Mestre Vicente, deáo de Lisboa e futuro bispo da Guarda, em Por­tugal, autor do apparatus sobre as Decretáis de Gregorio IX, certa-mente concluido nao antes de 1244, conforme provei no estudo inti­tulado Mestre Silvestre e Mestre Vicente, juristas da contenda entre D. Afonso II e suas irmás (*). Realmente, no comentario ao livro III, tít. 34 De voto et voti redemptione, cap. 11, das Decretáis de Grego­rio IX, Vicente Hispano fala da pregacáo da Cruzada no tempo de Inocencio IV, dos fins do ano 1243 e principios de 1244. Além disso, em 1245, no Concilio de Liáo, conforme documento dado a conhecer pelo Prof. Kuttner (2), aparece-nos ele como magister Vincentius, rec­tor iuris canonici et glossator ac etiam episcopus Hispanorum. Por conseguinte só Mestre Vicente, bispo da Guarda, podia ter escrito o apparatus sobre as Decretáis de Gregorio IX, porque entáo nao havia outro bispo residencial na Península Ibérica de nome Vicente, e o bispo de Saragoca, que tinha este nome, morreu no mes de Fevereíro de 1244 (3).

Mestre Vicente, eleito bispo da Guarda em 1226, apesar de instado em 1229 pelo papa e pelo legado pontificio D. Joáo de Abavila, car-deal-bispo de Sabina, para que aceitasse a eleicáo, só em 1235 apa­rece como bispo confirmado da Guarda, depois de ter sido postu­lado para bispo de Lisboa em 1233, mas sem efeito. No ano de 1234 encontrava-se na curia papal como embaixador de el-rei de Portu­gal. Estava de novo junto do papa, em Abril de 1237, com o bispo eleito de Coimbra, a fim de tratarem da causa dos limites das dioce-ses de Coimbra e da Guarda. Provável é que andasse nestes anos 1236-1237 pela curia papal, onde se encontrava, com certeza, a 7 de Agosto de 1237. Quer dizer, portanto, que D. Vicente, bispo da Guarda, se manteve em contacto pessoal com a curia papal durante varios anos, depois da publicacáo das Decretáis de Gregorio IX, em 5 de Se-tembro de 1234. Desde 1238 até á sua morte, ocorrida em 1248, aínda lhe ficou margem consideravel de tempo para continuar a sua obra de comentador das Decretáis de Gregorio IX, inclusive durante o pon­tificado de Inocencio IV, em 1244 ou mesmo em 1245 (4).

Está tudo isto a indicar-nos que este apparatus sobre as Decre­táis de Gregorio IX foi escrito pelo nosso canonista Mestre Vicente quando era bispo da Guarda, fora, portanto, do ambiente universi­tario de Bolonha, talvez parte em Portugal e outra parte na curia pontificia. 0 facto está alias atestado em alguns passos do appa­ratus sobre a compilacáo de Gregorio IX. No prólogo deste seu comentario Mestre Vicente declara-se Vincentius, episcoporurn Híspa­me minimus (5). Noutros lugares afirma claramente sua dignidade episcopal (6), sem se esquecer de lembrar que tinha escrito outros comentarios antes de ser bispo  (7). D. Vicente refere-se expressamente a assuntos da sua diocese, como bispo residencial, falando nomeadamente de clericis venatoribus de episcopatu meo (8). Alias ele escrevia a glossa ao cap. 4 do tít. 8 De dilationibus do livro II das Decretáis de Gregorio IX entre a morte deste papa (22 de Agosto de 1241), a cujo tempo já passado se refere, e a eleicáo de Inocen­cio IV (Junho de 1243), porque usa a expressáo tempore domini Gregorii (9). Além disso, como vimos, no comentario ao cap. 11, tít. 24 De voto et voti redemptione do livro III das Decretáis de Grego­rio IX fala do tempore huius predicationis Innocentii, ou seja de Ino­cencio IV que proclamou tal pregacáo nos fins de 1243 e principios de 1244, ao comentar urna decretal do papa Honorio III (10).

Em Setembro de 1242, D. Vicente, bispo da Guarda, concluía urna composicáo com os Templarios (u). Nos anos de 1243 e prin­cipios de 1244 andava envolvido ainda no litigio sobre os limites da sua diocese com a de Viseu e noutras contendas ou causas (12). Em 1245, estava no concilio de Liáo. A este propósito, devo notar que há varias bulas do papa Inocencio IV, datadas de Liáo e dos prin­cipios de 1245, relacionadas com a privacáo do governo do reino de Portugal a D. Sancho II, mas nao deparamos nelas noticia alguma sobre o bispo da Guarda, enquanto consta da presenca ali do arce-bispo de Braga e do bispo de Lisboa (13). Todavia, Inocencio IV diri-gia-se, por meio de bula datada do mes de Agosto de 1245 e da cidade de Liáo, ao bispo da Guarda, sem indicar o seu nome e referindo queixa dos cónegos regrantes do mosteiro de S. Pedro de Arganil pelo facto de D. Vicente ter deixado em suspenso, durante mais de um ano, a causa que eles tinham introduzido na sua curia episco­pal sobre o direito de padroado da igreja de Manta in Collo da Covilhá (M). Estará o facto a significar a ausencia de D. Vicente da diocese por estar entáo no concilio? Pode ser. O certo é que no ano seguinte de 1246, nos fins de Abril de 1246, ele se encontrava na diocese, pois a 24 de Abril deste ano pronunciava sentenca e passava na cidade da Guarda quatro documentos sobre o assunto (IS).

Tudo isto quer dizer que Mestre Vicente, bispo da Guarda, no seu vai-vem entre a sua diocese e a curia dos papas, deve ter escrito o apparatus sobre as Decretáis de Gregorio IX, enquanto residía em Portugal e na curia papal, e nao na universidade de Bolonha. Alias deve ter acontecido o mesmo quanto á composicáo de outros seus trabalhos jurídicos, antes de ser promovido ao episcopado, ao dividir o tempo á sua disposicáo entre ocupacoes na sé de Lisboa, como membro do cabido, ao servico do monarca, como conselheiro, chan-celer e embaixador, e ñas viagens a curia do papa Inocencio III. Por isso julgo oportuno lembrar nao se poder atribuir demasiada im­portancia as dificuldades de ordem cronológica e biográfica de Mestre Vicente, membro do cabido da sé de Lisboa, como se tivéssemos de exigir a sua presenca em Bolonha como professor, enquanto escre-via os seus comentarios ao Direito.

Prof. Kuttner (ls) te ve ocasiáo já de referir a eventual dificul-dade que poderia provir duma questáo tratada pelo canonista Ber-nardus Compostellanus Antiquus em Vicenza, nos principios do sé-culo 1200, na qual figura Mestre Vicente com um beneficio perten-cente á diocese de Évora, mas conferido pelo bispo de Lisboa que erróneamente pensava pertencer-lhe a colacáo do beneficio como parte da diocese de Lisboa: « Episcopus Ulixbonensis bona fide possi-debat partem diócesis Elborensis. Assignavit eum in beneficium ma-gistro. V. Movit postea ei Elborensis super parte illa questionem et obtinuit. Vult auferre dicto V. illas ecclesias. Queritur an possit. M. aufert ei. Ber. assentit » (17). Da minha parte, no que diz respeito a documentacáo, devo comunicar agora (em 1963 nao conhecia o documento, ou seja quando tive de responder as objeccóes ou dificuldades apresentadas por Ochoa) que existe um documento de 28 de Dezembro de 1206, com referencias á presenca de Mestre Vicente em Portugal como arcediago de Lisboa. Entáo o documento poderia causar alguma perplexidade, mas presentemente pensó que a difi-culdade nao é de muita monta, perante o facto assente de que o autor do apparatus sobre as Decretáis de Gregorio IX, com o nome de Vincentius, episcoporum Hispaniae minimus (m) e bispo resi­dencial, o qual antequam fuissem episcopus, hoc argumentum notavi. Vine. (19), só pode ser o bispo da Guarda. Eis o documento que deixo á consideracáo do leitor:

« In nomine Domini nostri Jhesu Christi. Nos M., Portugalen-sis, et S., Ulixbonensis episcopi, cognitores dati a domino papa su-per ordinatione monasterii de Lorbano, una cum Petro, Lamacensi episcopo, qui huic cognitioni, sicut nobis canonice constitit, non potuit interesse, notum fieri volumus ómnibus tam presentibus quam posteris, ad quoscunque littere iste pervenerint, quod secundum mandatum apostolicum, inquisitione diligentissime facta super óm­nibus que nos in noticiam veritatis huius rei inducere potuerunt, tam in ipso monasterio quam in civitate Colimbriensi, in maiori ecclesia, episcopo eiusdem loci Petro et eius capitulo necnon et magna parte cleri et populi eiusdem civitatis presentibus, mani-festissime comperimus Reginam dominam Tarhasiam monasterium de Lorbano iuste et legitime recepisse et institutionem monacharum ordinis beati Benedicti ibidem factam canonicam extitisse. Quod quidem et saluti anime dicte regine et utilitati memorati monasterii quam plurimum expediré et in nullius preiudicium redundare aper-tissime videntes, illud auctoritate apostólica qua fungimur, confir-mamus et in perpetué stabilitatis robore permanere decernimus, quicunque contra hoc venire presumpserit ... mucrone anathematis percellentes. Datum Colimbrie, festo sanctorum Innocentium sub e.a M.a cc.a xiiii (1244-1206), presidente in urbe Roma domino In-nocentio papa iii.° et in regno Portugalensi regnante domino S. rege. Clerici de societate nostra qui presentes fuerunt: Fernandus, Portu-galensis decanus. Fer. Reimondi, Bracarensis canonicus. Nu. Suarii, prelatus de Citofacta. Fer. Nuniz, capellanus Portugalensis episcopi. [outra coluna] Magister Vincentius, archidiaconus Ulixboñ, Egidius, frater militie beati Jacobi, capellanus Ulixb. episcopi. Martinus Pe-lagii, notarius Ulixboñ episcopi » (20).

Eu nao sei se Mestre Vicente, arcediago e depois deáo de Lisboa, teria ensinado em Bolonha durante o período em que exerceu, teve ou usufruiu os cargos de arcediago e deao de Lisboa, após este ano de 1206. Sabemos sim que o canonista Tancredo, no seu apparatus á Compilacáo I, enumera o glossador Mestre Vicente entre os seus predecessores que já nao ensinavam em Bolonha: « Super istis dua-bus decretalibus diverse predecessorum et maiorum nostrorum fue-runt opiniones, sicut patet per glossas Vincentii et Alani positas » (21). Mestre Vicente Hispano confirma esta ausencia, ao dizer que Mestre Tancredo nao se atrevería a dizer mal da sua opiniao, isto é de Mestre Vicente, se ele Mestre Vicente estivera presente: « ... quia ma­gister T[ancredus] dedignatus est opinionem meam, immo veritatem, quod nunquam diceret, me presente; sed quia non est episcopale contendere vel invidere, pono meam sententiam et suam » (22). Teria Mestre Vicente escrito o seu apparatus á Compilacáo I em Bolonha? Foram todas as suas obras anteriores ao apparatus sobre as Decre­táis de Gregorio IX escritas em Bolonha? Por ora entendo tratar só do lugar e tempo da composicáo do Apparatus in Concilium Quar-tum Lateranense de Vicente Hispano.

Baseado nos textos últimamente citados de Tancredo e de Vi­cente, Xavier Ochoa afirmava que « se puede concluir con seguridad que salió de aquella Universidad poco después de 1220 ». Estes dize-res referem-se a partida de Vicente Hispano de Bolonha para a Pe­nínsula, segundo eremos, embora o autor nao no-lo diga claramente. Contra esta afirmacáo já tive ensejo de esclarecer o seguinte:

« ... Perante estes dados, eremos poder afirmar nao só que o canonista Mestre Vicente abandonou o ensino, ausentando-se de Bolonha, com toda a certeza pouco depois de 1220, como também a grande probabilidade de o ter feito anteriormente. Ochoa nao admite esta última conclusáo (23), por julgar que o nosso canonista escreveu o comentario aos cánones do IV Concilio de Latráo do ano 1215, em Bolonha (24). Respondemos nao ser absolutamente certa a composigáo deste comentario em Bolonha, O próprio Ochoa Sanz, noutro lugar da sua obra, é menos categórico, dizendo que Vicente Hispano o escrevera « al menos teniendo presente dicha ciudad y suponiendo que sus lectores conocían perfectamente su situación geográfica y administrativa» (25). Além disso, Ochoa, ao provar que o nosso canonista nao glosou a IV Compilacáo, admite a possibi-lidade de ele ter abandonado Bolonha antes de a IV Compilacáo ter sido recebida pelos canonistas (26), ou seja antes de 1220. Mesmo que Vicente Hispano tivesse composto o comentario aos cánones do IV Concilio de Latráo em Bolonha, nao faltam argumentos em favor da partida de Bolonha antes de 1217, ano em que a Compilacáo IV foi publicada. O App. aos cánones do Concilio, como mostra Ochoa (27), escreveu-o o canonista antes de a Compilacáo IV ser aceite pelos canonistas. E segundo Gillmann (28), a última recensáo deste App. foi composta antes de ser publicada a Compilacáo IV» (29).

Mais adiante observara eu ainda: « 2) Mesmo que fosse certa a presenca e ensino de Vicentius Hispanus em Bolonha nos fins de 1215, e até nos principios de 1216, e a publicacáo do comentario aos cánones do IV Concilio de Latráo se desse ai também, — o que nao se pode afirmar com certeza —, é desprovida de consistencia a ten­tativa de fazer de Mestre Vicente, futuro bispo da Guarda, e de Vin-centius Hispanus, professor em Bolonha, duas pessoas distintas. de facto argumentos a sugerir a grande probabilidade de Mestre Vicente nao se encontrar em Portugal neste tempo. Como disse-mos (so), a afirmagáo de Herculano sobre a presenga em Portugal de Mestre Vicente no ano de 1216 nao passa de simples hipótese, com­base em documento que nao exige necessariamente a presenga do nosso diplomata na Península »   (31).

Na verdade, ao tratar antes dos dados biográficos de Mestre Silvestre Godinho e de Mestre Vicente, eu tinha-me referido a urna sentenca dada pelo papa Inocencio III em 1216, a favor de el-rei de Portugal, a qual tinha sido obtida por Mestre Vicente, Mestre Sil­vestre e Mestre Lanfranco. A propósito desta sentenca teci algumas consideracóes á volta de varios documentos sobre o assunto, os quais mostram que, durante o Concilio IV de Latráo, em 1215, ou pouco tempo depois dele, estes tres grandes canonistas estavam em Roma e diligenciaram entáo por que o papa desse razao ao monarca no litigio com suas irmás sobre os castelos de Alenquer e Montemor--o-Velho. Dilo expressamente D. Afonso II, rei de Portugal, em docu­mento do mes de Margo de 1220, ao conceder, por tal motivo, um terreno da Guarda a Mestre Vicente:

« In Dei nomine. Hec est carta donacionis et perpetué firmitu-dinis que iussi fieri ego A[lfonsus], Dei gratia Port[ugalie] rex, una cum uxore mea regina domna Urraca, filiis nostris infantibus domno Sancio et domno Alfonso et domno Fernando et domna Alionor, vobis magistro Vincentio, Ulixboñ decano, de illo terreno quod vobis dedi in Guarda. Ipsum terrenum vobis concedo iure hereditario in perpetuum habendum atque possidendum. Et concedo ut faciatis de illo quicquid vobis placuerit, tamquam de vestra propria here-ditate. Hoc autem fació pro servitio quod michi fecistis in causa que vertebatur inter me et sórores meas super Monte Maiore et Alanquer, de quibus ipse tenebant me exheredatum, et vos iuvastis me ad heredationem predictorum castrorum in sententia que per vos et per magistrum Silvestrum et per magistrum Lanfrancum super eis castris a domino papa Innocentio iii° est obtenía. Et hec sententia est scripta in registro, per quam ego credo me in predictis castris ius meum obtmere. Quicunque igitur hoc factum nostrum vobis integrum observaverit, sít benedictus a Deo, amen. Qui vero illud infringere actemptaverit, iram Dei omnipotentis incurrat et quicquid ipse fecerit, successor eius totum in irritum deducat. Facta fuit hec carta apud Colimbriam, mense Martio. E.a M.a CC.a L.a viii.a. Nos supranominati qui hanc cartam fieri precepimus, coram subscriptis eam roboravimus et in ea hec signa apponi fecimus [lugar dos sinais], Qui affuerunt: Domnus Martinus Iohannis, signi-fer domini regis, conf. Domnus Petrus Iohannis, maiordomus curie, conf. Domnus Gunsalvus Menendiz conf. Domnus Gil Valasquiz conf. Domnus Laurentius Suarii conf. Domnus Garsia Menendiz conf. Domnus Martinus, Egitaniensis episcopus, conf. Domnus Pe­trus, Colimbriensis episcopus, [conf.] Petrus Garsie, testis. Vin-centius Menendii, testis. Johaninus. Gunsalvus Menendii, cancel-larius »  (32).

Que a sentenca, aqui referida, seja dos principios de 1216 consta da respectiva bula papal de 7 de Abril de 1216, na qual Inocencio III relata os acontecimentos, com alusáo a Mestre Lanfranco que era o procurador de el-rei D. Afonso II. O original da bula encontra-se no antigo arquivo do mosteiro de Lorváo, donde a transcrevo:

« Innocentius episcopus, servus servorum Dei. Venerabili fratri episcopo Burgensi  et  dilecto  filio  decano  Compostellano.  Salutem et apostolicam benedictionem. Cum olim karissimus in Christo fi-lius noster Portugalie rex illustris esset excommunicationis vinculo innodatus et térra eius supposita interdicto, pro eo quod nobilibus mulieribus T. et S., sororibus suis, super castris Montis Maioris et Alanker damna dicebatur gravia intulisse, dilectis fíliis De Spina et Ursaria  abbatibus  dedimus  in mandatis  ut  excommunicationis  et interdicti sententias iuxta formam Ecclesie relaxantes, utrique parti facerent   de   manifestis   damnis   et   iniuriis   satisfierí   competenter, super dubiis vero audierint quecunque ducerent proponenda, et nisi per eos Ínter partes amicabilis posset concordia reforman, causam ad nos remitterent sufficienter instructam, prefigentes partibus termi-num competentem, quo per procuratores idóneos nostro se conspectui presentarent, mandatum apostolícum recepture. Postmodum vero dilectis filiis L. Mediolanensi, regis ipsius, et R., monacho Celle Nove, dictarum sororum eius procuratoribus, in nostra presentía constitutis, proposuit procurator nobilium predictarum quod iudices ipsi, relaxatis sententiis antedictis, ipsum regem pro damnis et iniu-riis manifestis eisdem sororibus suis in quadam summa pecunie condemnarent, in eum in dicte pecunie solutione cessantem excom-municationis sententiam proferentes. Unde postulabat procurator predictus ut iudicum ipsorum processum firmitatem faceremus de-bitam obtinere. Procurator autem ipsius regis proposuit ex ad­verso quod prefatis sororibus dicti regis, ei iura regalia subtrahen-tibus et alias multa inferentibus ei gravarnina et iacturas, idem earum provocatus iniuriis, ipsis iuxta terre consuetudinem iustum bellum indixit, compulsus per insolentiam earumdem subiré labo­res non módicos et expensas. Demum partibus in dictorum iudicum presentía constitutis, ipsi post appellationem ad nos legitime inter-positam, lite non contestata, ad receptionem testium procedentes, dictum regem prefatis nobilibus condemnarunt in centum quin-quaginta millibus aureorum, a quorum sententia rege nichilomi-nus appellante, ipsi excommunicationis in eum et in regnum eius interdicti sententias promulgarunt, in eisdem sententiis impossi-bilitatem facti et errorem intolerabilem exprimentes. Quare pro­curator ipsius humiliter postulavit ut easdem sententias denun-tiantes irritas et inanes, nobiles supradictas ad satisfactionem ipsi de damnis et iniuriis irrogatis cogeré dignaremur. Nos itaque pre-missis et alus que fuere proposita coram nobis plenius intellectis, denuntiantes predictas excommunicationis et interdicti sententias non tenere, super alus de fratrum nostrorum consilio sic duximus providendum, ut videlicet nobiles predicte castra ipsa traderent in Templariorum manibus suo nomine conservanda, commorature pa-cifice in eisdem, ita quod ex illis nullum possit regi vel regno dispendium provenire. Ipse vero rex nec per se nec per alios molestaret in aliquo vel gravaret, quinimo eas et iura earum de-fenderet et servaret. Deinde fieret diligens inquisitio utrum rex iustum bellum indixisset eisdem et nisi eum illis iustum bellum indixisse constaret, facta per viros idóneos et fideles taxatione dam-norum, ipse rex competenter eadem resarsiret. Si autem regem ex iusta causa constaret contra eas arma movisse, ipse dicto regi damna lege simili resarsirent vel alterutro eas sibi remitterent, si sic Ínter partes convenire valeret. Nobiles quoque predicte pro castris ipsis exhiberent sine difficultatis obstáculo iura regalía dicto regi, cum per patris testamentum nullatenus appareret quod eadem a iuris-dictione regia exempta fuissent, cuius executionem negotii vobis duximus committendum. Nuper autem nobiles antedicte per suos nobis nuntios et litteras supplicarunt ut faceremus eis, prout pater disposuit earumdem, securitatem impendí vel saltem ad securita-tem ipsarum et rerum tradi tot et talia oppida in manus Templa-riorum ipsorum, quot et qualia pro securitate ipsius regis ab eis eisdem Templariis iussimus exhiberi. Nihilominus humiliter cum instantia postulantes ut firmam pacem vel saltem treugas perpetuas inter ipsas et prefatum regem ac successores eorum mandaremus fieri et archiepiscopi, episcoporum, baronum ac aliorum fidelium regni Portugalie iuramentis firmari. Cum igitur illius simus vicarii. licet immeriti, qui non est Deus dissentionis sed pacis, discretioni vestre per apostólica scripta mandamus quatenus illis in suo ro­bore permanentibus, que super premissis de fratrum nostrorum consilio provide duximus statuenda, prout in alus litteris ad vos transmissis plenius continetur, inter ipsum regem et predictas sórores ipsius pacis vel treugarum federa statuatis, que iuramentis et alus idoneis cautionibus faciatis utrinque firmari, et ad illa fir-miter observanda eos per districtionem ecclesiasticam, sublato ap-pellationis et contradictionis obstáculo, compellatis, contradictores per censuram ecclesiasticam, appellatione postposita, compescentes. Datum Laterani, vii Idus Aprilis, pontificatus nostri anno nonode-cimo » (33).

A propósito desta bula e do documento da doacáo, também transcrito ácima, os quais se completam mutuamente, em 1963 fiz as seguintes consideracoes:

«Segundo refere a mesma bula, eram procuradores na curia Mestre Lanfranco de Miláo, por parte do monarca, e Frei Roberto, monge de Celanova, pelo lado das Infantas. Todavía, segundo o documento da doacáo regia a D. Vicente (34), nao só a interven-cao de Mestre Lanfranco, mas também aos trabalhos de Mestre Vicente e Mestre Silvestre, se deve a sentenca favorável ao rei, a qual deve datar dos principios de 1216. A citada bula de 7 de Abril de 1216 dá a entender que, entretanto, também o bispo de Burgos e o deáo de Compostela nao conseguiram levar os litigantes a firmar urna concordia, pois o papa pela sobredíta bula mandava--lhes, outra vez, executar a sentenca e estabelecer as pazes entre os mesmos (35). Desta forma, é de supor que Mestre Vicente, deao de Lisboa, se encontrava, por esse tempo, em Italia, ocupado em alcancar de Inocencio III a sentenca que o rei diz ter sido obtida por intermedio seu, de Mestre Silvestre e Mestre Lanfranco (m) » (37).

Anoto com prazer que o Prof. García y García chegou a esta mesma conclusáo, através do estudo das circunstancias em que Mestre Vicente Hispano escreveu o apparatus sobre as constituigóes do concilio IV de Latráo: « Por todas estas razones, resulta más vero­símil que el apparatus de Vicente fue compuesto durante su estan­cia en Italia, apenas aparecidas las constituciones lateranenses » (38). Quer, portante, dizer que Mestre Vicente escreveu o seu apparatus em 1216, antes da morte do papa Inocencio III, em Italia, natural­mente em Roma e nao em Bolonha, nem em Portugal. Por isso eu observava que « a afirmacáo de Herculano sobre a presenga em Por­tugal de Mestre Vicente no ano de 1216 nao passa de simples hipó-tese, com base em documento que nao exige necessariamente a pre-senca do nosso diplomata na Península » (M).

Mais concretamente, quanto ao tempo da composigáo é de ressal-tar o que nos diz García y García sobre o tempo da composigáo dos apparatus de Dámaso Húngaro e de Joáo Teutónico. Relativamente do ano 1216, a referida sentenga do papa Inocencio III em favor de el-rei de Portugal, juntamente com mais dois célebres canonistas, havemos de convir que Vicente Hispano escreveu o comentario as constituicoes do IV Concilio de Latráo nao só antes da morte de Inocencio III, ocorrida a 16 de Julho de 1216, mas precisamente antes da Joáo Teutónico, talvez nos primeiros meses do ano.

Esta conclusáo impoe-se, sendo verdade, como defendem famo­sos especialistas da historia do Direito Canónico, por exemplo Kutt-ner e García y García, que o autor do apparatus de nome Vincen-tius Hispanus se deve identificar com Mestre Vicente, deao de Lisboa, conselheiro e chanceler regio, que foi depois bispo da Guarda, em Portugal, escrevendo entáo o apparatus sobre as Decretáis de Gre­gorio IX. De facto, se o famoso canonista Vincentius Hispanus é o deao de Lisboa Mestre Vicente, que talvez nos fins de 1215 e sem dúvida nos principios de 1216 esta va na curia papal, e se o appa­ratus as constituicoes do IV Concilio de Latráo foi composto antes da morte de Inocencio III, ou seja antes de Julho de 1216, segue-se que Mestre Vicente Hispano escreveu o seu apparatus sobre as consti­tuicoes do IV Concilio de Latráo em Roma, nos principios de 1216.

Levando estas circunstancias até as últimas consequéncias, pode-ríamos até concluir pela presenca de Mestre Vicente Hispano, deao de Lisboa, no Concilio IV de Latráo e pelo contributo dado ao mesmo Concilio por tres grandes canonistas do tempo: Mestre Lanfranco, Mestre Silvestre e Mestre Vicente.

Prof. García y García, de fronte as tres opinióes sobre o autor e tempo da composicáo das constituicoes do IV Concilio de Latráo, aceita em parte a terceira e mais recente, a qual « sostiene que los capítulos del Concilio 4 Lateranense son fruto del trabajo personal del papa Inocencio III y de su curia, realizado en gran parte antes de que el Concilio comenzara ». Aceita-a só em parte, porque excluí a intervencáo da curia papal: « Los resultados que arrojan los da­tos que he tenido a mano conducen a una conclusión sustancialmente idéntica a la última mencionada, salvo la intervención de la curia, de la que no he visto rastro en la documentación manejada por mí. Por paradójico que pueda resultar, la elaboración de las constitu­ciones lateranenses no es obra del Concilio como tal, sino que fueron redactadas con anterioridad a dicha asamblea, por el pontífice canonista y teólogo Inocencio III. Esta apreciación se basa en los siguien­tes argumentos... » (4S).

Eu nao me sinto com autoridade para negar o valor desta opi-niáo, mas parece-me que Inocencio III no seu plano de reformar a Igreja e proclamar a Cruzada talvez tivesse recebido algumas su-gestóes dos convidados ao Concilio, aos quais pedirá informacóes por escrito, a estudar no Concilio, conforme nota alias o Prof. García y García (44). Era natural ter-se servido de auxiliares ou colaboradores, inclusive da curia. O próprio Antonio García admite que « existen en estas constituciones vestigios de que varias de sus normas fueron condicionadas por quejas o sugerencias venidas desde abajo » (45). Mais a frente continua: « Aunque Inocencio III pudo enterarse de todas estas cosas de que aquí se habla por informaciones extracon-ciliares, tal vez haya que ver también en algunas de estas expresiones una alusión a informes de los obispos, abades y demás participantes en el Concilio » (46). E explicando-se melhor: « Estas sugerencias o in­formaciones de los obispos y demás conciliares, si es que existieron, debieron producirse con anterioridad al primero de Dic. de 1215, fecha en que el papa facultó a los padres conciliares para abandonar la Urbe. También pueden deberse, al menos parcialmente, a los obis­pos que se quedaron en Roma hasta el final de Adviento e incluso algunos hasta mediados de la Cuaresma de 1216 » (47).

Rigorosamente falando, nao podemos considerar aqueles tres fa­mosos canonistas membros da curia. Por isso também nao lhes po­demos aplicar os seguintes dizeres ou observacao do Prof. García: « La parte que la curia haya podido tener en el proceso de elabora­ción de estas constituciones, no aparece documentada por ningún testimonio contemporáneo. Es muy posible, probable si se quiere, pero no hay evidencia alguna de ello » (48). Se, como afirma García, a redaccáo final do c. 71 foi « realizada tal vez en la curia pontificia»


 



 
 
 
 
 
 
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