Frei Celso Mário Teixeira, OFM*
Petrópolis - RJ
Sem dúvida, a vocação sacerdotal e a religiosa devem ser compreendidas entre os inúmeros carismas com que o Espírito Santo enriquece a Igreja e, por extensão, a humanidade. De fato, a ação do Espírito suscita carismas não somente no âmbito da Igreja, mas também fora dela, pois o Espírito sopra onde quer (cf. Jo 3,8).
Colocadas estas premissas, é oportuno que se faça alguma reflexão complementar para não paramos em generalizações:
Carisma – Afirmar que a vocação sacerdotal e a religiosa são carismas do Espírito não pode levar-nos a um espiritualismo desencarnado de nossa realidade, como se a vocação se desse num momento de êxtase ou numa teofania em que Deus nos fala com a mais absoluta clareza, como nos relatos bíblicos da vocação dos profetas. Aliás, os relatos das vocações da Bíblia são descritos em teofanias, e, sem uma leitura mais crítica, somos levados a pensar que a vocação surge exatamente naquele momento da manifestação de Deus. Experimentamos, porém, que nossa vocação se dá num processo muito humano, sofrido, alternando momentos de certezas e de dúvidas, alternância que se prolonga por toda a nossa vida. E em nossa vocação, nem tudo é santo, espiritual, isento de fraqueza humana. Nossas motivações, especialmente as primeiras, estão quase sempre mescladas de interesses pessoais, às vezes até egoísticos, de busca de sucesso e de bem-estar. Nem sempre somos movidos pelo altruísmo de servir os irmãos ou de edificar a comunidade. Em suma, a vocação é carisma do Espírito, mas é também processo de aceitação e de busca da parte da pessoa humana.
Igual a outros carismas – Durante muito tempo, a vocação sacerdotal e a religiosa foram consideradas melhores (mais perfeitas) do que as demais. A vida religiosa (hoje preferentemente chamada de vida consagrada) era considerada como “estado de perfeição”, como se as demais vocações não levassem à perfeição. A ordenação sacerdotal, instituída como ministério, ganhou, ao longo da história, um status que coloca o sacerdote em posição de senhor, de quem tem poder, e não na de quem serve e lava os pés de seus irmãos. Urge colocar a vocação sacerdotal e a religiosa em seu devido lugar, em pé de igualdade com as demais vocações. Não estão acima nem são melhores ou mais perfeitas do que as outras. Seria necessário reaprender o caminho da humildade, não apenas nos discursos, mas sobretudo na postura. Pois de nada adiantam discursos de serviço, se portamos toda uma postura de que somos os melhores, os chamados e designados por Deus, se deixamos transparecer que constituímos uma verdadeira casta de eleitos do Senhor.
Dar frutos – Todas as vocações se orientam a dar fruto na Igreja (e na humanidade), a construir o Reino. São Paulo dizia que os carismas diversos, mas provenientes do mesmo Espírito, deviam edificar a comunidade, servir para a utilidade de todos (cf. 1Cor 4-7). Se há diversidade de carismas (vocações), deve haver diversidade de frutos. Como não se pode esperar ou exigir que uma figueira produza laranjas ou que uma videira produza abacates, nem que todas as árvores produzam uma única espécie de fruto, assim não se pode esperar ou exigir que uma vocação na Igreja dê todos os frutos. É necessária, portanto, uma compreensão ou consciência da especificidade de seu carisma, para não acontecer que – usando a linguagem de Paulo na carta aos Coríntios – o pé pretenda exercer a função de mão, para sentir-se pertencente ao corpo (cf. 1Cor 12,15).
Deste modo, a vocação sacerdotal e a religiosa, iguais a muitos outros carismas suscitados pelo Espírito, são maneiras específicas de produzir fruto na Igreja, de ajudar com sua pequena, mas importante parcela, a construir o Reino de Deus.
* Frei Celso Mário Teixeira é da Ordem dos Frades Menores, doutor em Espiritualidade atualmente leciona Teologia Espiritual e Espiritualidade Franciscana na Faculdade de Teologia - ITF..