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Entrevista com o Professor Agenor Brighenti


 
 
 
Luogo:
Data: 20/04/2010
 
PUA

Frei Gustavo Wayand Medella, OFM

Professor Agenor Brighenti é um dos maiores nomes da Teologia Latino-Americana na atualidade. Fiel às inquietações e propostas do Concílio Vaticano II, insiste em um modelo de Igreja que busque sempre Encarnar o Evangelho em sintonia com os desafios e as realidades de cada tempo. Nesta semana, ele esteve no ITF, em Petrópolis, para refletir, junto com os alunos do Curso Master em Evangelização, sobre os grandes desafios que se apresentam à Igreja na atualidade.

 

Professor Agenor, especialista em Teologia Pastoral, é assessor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e leciona em universidades brasileiras e também em outros países, como México e Colômbia. Atuou efetivamente como perito na V Conferência do Espiscopado Latino-Americano e do Caribe (V Celam), em Aparecida, SP, no ano de 2005. Também esteve presente na IV Conferência, em Santo Domingo, na República Dominicana. Pesquisador atuante, orienta diversos trabalhos na área da Teologia Pastoral e participa de vários grupos de estudos. É doutor em Ciências teológicas e religiosas pela Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. Como sacerdote, já exerceu a função Coordenador de Pastoral da Diocese de Tubarão, SC. Atualmente reside em Curitiba, PR.

Nesta entrevista, Professor Agenor aponta possíveis caminhos para Igreja diante das provocações dos tempos de hoje, destaca elementos imprescindíveis à prática evangelizadora da Igreja, faz um balanço da caminhada da Teologia da Libertação, comenta sobre a onda de denúncias de pedofilia que vêm se abatendo contra a instituição e, por fim, fala da alegria de estar no ITF, em Petrópolis, RJ, definido por ele mesmo como o “chão onde muitos ícones da Igreja viveram e trabalharam”.

O senhor propõe que a Igreja faça uma revisão de sua missão evangelizadora. Por quais aspectos passaria esta revisão?
Aí está todo o desafio de Aparecida, pois esta conferência retoma a perspectiva do Concílio Vaticano II e da tradição latino-americana. Diz Aparecida que no momento atual da Igreja na América Latina está faltando coragem, persistência e determinação para se levar adiante a reforma do concílio. Então se trata de reencantar a perspectiva do Vaticano II, agora no novo contexto em que vivemos, respondendo às novas perguntas que os tempos de hoje apresentam.

No que diz respeito à Evangelização, que distinção pode ser feita entre a prática de Implantação da Igreja e a Encarnação do Evangelho?

A Implantação da Igreja responde àquele período da cristandade, marcado por um eclesiocentrismo. Nessa perspectiva, a Igreja, como única mediação de salvação, se propõe a cristianizar o mundo e a implantar uma cultura cristã. E, sendo Igreja compreendida como a única mediação de salvação, o esforço maior será, evidentemente, o de buscar que as pessoas entrem nesta instituição. Com o Vaticano II, superou-se essa postura de cristandade, de eclesiocentrismo, e a ação da Igreja, mais do que implantar a si mesma, passa a ser a busca de encarnar o Evangelho, no sentido de que a Igreja é consequência de uma Palavra acolhida. Quando existe o encontro com Jesus Cristo e com a proposta de sua Palavra, a acolhida de Cristo e de sua proposta do Reino de Deus implica necessariamente na adesão ao sacramento de uma comunidade daqueles que vão viver e edificar essa nova forma de presença no mundo. É por isso que a missão, neste contexto conciliar, deixou de ser centrípeta (movimento de fora para dentro), com preocupação de trazer pessoas para dentro da Igreja, para ser centrífuga (de dentro para fora), indo ao encontro das pessoas e do mundo, propondo o Evangelho, na liberdade das pessoas e no respeito à subjetividade. Nesta proposta, que assume em uma dimensão dialógica, e portanto sempre horizontal, o verdadeiro sujeito da Evangelização é aquele que a recebe, e cabe a ele receber esta mensagem em sua vida e em seu contexto, a seu modo. Nesta acolhida do Evangelho pelo interlocutor está a possibilidade do nascimento de uma Igreja culturalmente nova, com rosto próprio, não como repetição da Igreja do evangelizador, mas como uma Igreja que nasce encarnada no novo contexto.

O senhor teve atuação ativa na Conferência de Aparecida. Com relação à Igreja no Brasil, que balanço o senhor faz em termos de avanços com relação às propostas daquele encontro?  

Neste mês de maio já se vão três anos de Aparecida. Este é o tempo, evidentemente, da recepção, que implica um certo processo. Um primeiro momento da recepção é entrar em contato com a proposta e tentar conhecê-la e assimilá-la. Na Igreja do Brasil, no ano seguinte à Aparecida, as Diretrizes da CNBB já foram elaboradas à luz da Conferência, e por isso existem ali indicadores para que as dioceses repensem seus planos de acordo com Aparecida também. Percebe-se, em todas estas ações, um esforço de adequar os processos diocesanos a esta nova perspectiva. Claro que ainda é cedo, e o que mais tem sido enfatizado no momento é a Missão Continental, que à vezes pode se limitar a uma certa campanha, a um certo evento em um tempo determinado, mas não deixa de ser um esforço de colocar-se na perspectiva de um acontecimento eclesial como Aparecida, que conclama a Igreja a fazer de cada comunidade, toda ela inteira, uma comunidade missionária, o que implica conversão pastoral, algo que também é processual. Podemos dizer que a acolhida de Aparecida no Brasil foi positiva, talvez não com o encantamento que merecesse, porque esta conferência está muito relacionada ao Vaticano II. Como não há também um encantamento com este concílio, Aparecida também se ressente deste momento eclesial marcado por certo conservadorismo, por uma certa dificuldade em interagir com os problemas de hoje. Mas há esforços e tentativas que trazem muita esperança.

Na qualidade de teólogo, ao lançar seu olhar sob a Igreja do Brasil, o que mais lhe preocupa?

O que a gente escuta, de cima a baixo, neste país, é aquilo que Aparecida também registrou em seu documento: existem alguns grupos e segmentos da Igreja hoje que têm certa dificuldade de colocar-se na perspectiva de renovação do Concílio Vaticano II. A conferência dizia que há tentativas de certo retorno a uma Igreja pré-conciliar e citava concretamente certos tipos de espiritualidade que não são muito eclesiais, ou seja, sintonizadas com o todo da Igreja, muitas delas voltadas para uma expressão religiosa mais na esfera da subjetividade, e não tanto encarnada no nosso contexto. Aparecida também se referia a um certo retorno ao clericalismo, embora esta consideração não apareça no documento final. Seria um clericalismo não só da parte dos clérigos, mas de leigos clericalizados, no sentido de ainda perdurar na Igreja o binômio “clero-leigos”, de dois gêneros de cristãos, quando o concílio nos conclamou a um novo binômio “comunidade-ministérios”, uma Igreja totalmente ministerial e um único gênero de cristãos, com os ministérios inseridos no serviço ao Povo de Deus, que somos todos nós. A meu modo de ver, estas são preocupações não da Igreja do Brasil, mas em um contexto até mais amplo.

E o que lhe dá mais esperança?

A esperança são estes segmentos de Igreja, que não são poucos, estas iniciativas, que não só resistem e teimam na perspectiva do Concílio e da opção da Igreja na América Latina, como também estão aí dialogando com as novas questões, abertos a se questionar e a buscar novas formas de ser Igreja. Não se trata, quando falamos de Vaticano II, de se conservar o de sempre. Nós estamos em um novo contexto, em um novo tempo, e é preciso uma nova recepção do concílio. Não é simplesmente aplicar, mas receber criativamente e recriar o modo de ser Igreja no contexto atual. Nós temos segmentos que estão longe de uma visão retrospectiva ou catastrófica, mas têm uma visão prospectiva, habitados pela esperança estão aí, correndo o risco do diálogo, da inserção, da busca de novos caminhos, de novas práticas. E é assim que a gente avança nestes caminhos, que não deixam de ser arriscados, que não são isentos de possíveis equívocos, mas não há outra forma. Trata-se de, com seriedade, com reflexão, em comunidade, ir arriscando e, neste risco de guiar-se pelo Espírito, que é sempre também imprevisível, ir buscando respostas às novas questões que vamos sempre encontrando.

Quais seriam as questões imprescindíveis à agenda da Evangelização?

Nós precisamos saber integrar na pastoral as novas realidades e as novas questões. Uma delas, por exemplo, que é um dos grandes valores nesta crise da Modernidade, é a emancipação da subjetividade individual. Nós precisamos criar espaços em nossas comunidades para os indivíduos e para a subjetividade. As pessoas são muito ciosas de sua liberdade e nós precisamos aprender a ver o outro não como destinatário, mas como interlocutor, estabelecendo com ele relações dialógicas, de modo que todos sejam sujeitos nesse processo. Outro desafio nesse processo hoje é a questão da emancipação da alteridade como gratuidade, não simplesmente como instância ética, como imperativo ético, como instância de compromisso, mas como dimensão lúdica, como dimensão festiva, e a gratuidade às vezes nos causa um pouco de dificuldade, sobretudo no Ocidente, onde somos bastante ativistas. Como integrar na ação a contemplação, a festa, os momentos de convívio gratuito? Na realidade, a proposta cristã é vivermos um eterno domingo em todos os dias da semana e nós precisamos trazer para a temporalidade essa experiência de eternidade. Poderíamos também enumerar outros aspectos desafiantes, como a fato de vivermos ainda em um mundo marcado por uma lógica de exclusão. O cristianismo, que se propõe a ser comunhão e a fazer comunhão, precisa buscar formas de incluir os excluídos. Esta não é tarefa simplesmente da Igreja, mas nós precisamos dar passos neste sentido de fazer esta opção pelo pobre não como objeto de caridade, mas fazê-lo sujeito de um mundo onde caibam todos e neste sentido é que Aparecida retoma com toda força, e também o Papa Bento XVI, a opção pelos pobres como implícita na fé cristológica e nós precisamos integrar na categoria da salvação a dimensão libertadora e transformadora do Evangelho. Nós vivemos um tempo em que esta dimensão tende um pouco a ficar na penumbra e a Igreja precisa ser, no mundo de hoje, esperança dos pobres, como disse Aparecida, precisa ser advogada dos pobres, casa dos pobres.

O grande desafio então seria aliar as grandes lutas humanas à mística, à espiritualidade e ao encantamento?

A nossa opção cristã, quando vamos para o mundo e para a sociedade, não é motivada pela ideologia. O que nos leva a nos comprometer, a ir para o social e assumir a causa dos pobres, é o próprio Evangelho. Claro que, nas mediações para colocar em prática esta proposta, temos que dialogar com as ideologias, com os instrumentos que a sociedade nos apresenta, com os corpus intermediários que estão aí, mas isso é uma questão de estratégia, de mediação. A nossa motivação última é sempre evangélica. A Doutrina Social da Igreja sempre tem insistindo em que nós nos compromissamos com o social porque somos cristãos e não porque embarcamos em uma ou outra ideologia. É o próprio Cristo quem nos leva, e por isso o Papa Bento XVI, em Aparecida, dá uma grande contribuição a esta perspectiva ao radicar a opção pelos pobres na fé cristológica. Não é uma questão de opção para quem gosta, para quem quiser, para quem está no social: ou somos cristãos compromissados com o mundo ou não somos cristãos. Como diz a Gaudium et Spes, os cristãos que negligenciam seu compromisso com o mundo estão colocando em risco a própria salvação.

O senhor concorda com a crítica que muitos fazem à Teologia da Libertação, afirmando que, ao propor o engajamento firme nas questões sociais, ela teria deixado uma lacuna no que diz respeito ao aspecto do subjetivo e da relação do humano com o sagrado?

Nós temos que ver a Teologia da Libertação dentro desse patrimônio da Teologia da Igreja, no processo de uma revisão teológica que sempre vai se ampliando, vai se tecendo na história, vai acrescentando ao patrimônio comum anterior. A Teologia da Libertação nada mais é do que elevar a inteligência da fé ao nível, ao patamar da racionalidade da segunda ilustração. A Teologia Moderna européia tentou reler a nossa fé a partir da Antropologia, da emancipação do sujeito individual, da consciência individual, e foi um passo grande em relação à Teologia anterior. E, na América Latina, o que a Teologia fez foi dar um passo adiante ao da Teologia européia e elevar a nossa reflexão teológica ao nível da racionalidade práxica. Foi um passo importante, e isso continua, e vai continuar na Igreja. Não é o último passo, nem o fim da Teologia. Tudo indica que nós vivemos hoje a emergência de uma terceira ilustração, que é a emancipação de novas racionalidades, a razão intuitiva, a razão comunicativa, a razão experiencial, a razão cordial etc. Então, não só a Teologia da América Latina, mas todas as Teologias são desafiadas hoje a dar um passo adiante, a ceder a este novo patamar da racionalidade que apresenta novas questões. A crise da Teologia da Libertação não se deve simplesmente a seus erros ou limites, que são muitos, e que ocorreram, mas se deve muito mais às novas questões que se apresentam e das quais ela não dá conta, e por isso precisa ampliar seu paradigma. É o mesmo que acontece de certa forma com a Modernidade. Não é que a Modernidade não tenha valores. Houve equívocos, houve erros, mas a crise se deve muito menos aos equívocos cometidos do que às novas questões que são apresentadas.

Com relação às últimas notícias, relativas a escândalos de pedofilia, divulgadas pela imprensa em relação à Igreja, positivamente em que o senhor acha que estes episódios podem contribuir para ela enquanto instituição?

Neste caso são diversas questões implicadas. É claro que isso afeta o caráter de sacramentalidade da Igreja, porque não podemos perder de vista que mensagem não é só o conteúdo que vinculamos. O mensageiro também é mensagem, a instituição também é mensagem, as estruturas são mensagem e a figura do presbítero também é mensagem. Então tudo isso não deixa de ter consequências graves, não para a credibilidade somente da Igreja, mas para a credibilidade do próprio Evangelho. Por outro lado, estes fatos também colocam em evidência que a Igreja não é uma instituição simplesmente divina, mas é também humana e tem os seus limites, pois é formada por pessoas. Aí está então o desafio de trabalharmos o humano da Igreja, que não deixa de refletir a situação dos tempos de hoje. De onde é que a Igreja tira seus quadros? Tira do mundo de hoje, e as pessoas acabam repetindo internamente na instituição as contradições de seu meio. Nós, como Igreja, somos para-raio também de tudo que acontece ao nosso redor e bem sabemos que pedofilia não é um fenômeno somente da Igreja, o que não justifica, mas nos leva a enfrentar o problema com mais realismo. Eu creio que estas dificuldades pelas quais a instituição passa na atualidade vão levar ao aprimoramento da formação presbiteral, por exemplo, e também da forma de lidar com esses casos, sempre com humanidade, com respeito à pessoa, mas nem por isso fazendo vista grossa. É preciso tomar posição porque está em jogo a credibilidade do próprio Evangelho. Talvez a Igreja não tenha despertado a tempo, mas agora essa repercussão social vai nos ajudar a sermos mais previdentes para que fatos como esse não sejam uma prática corriqueira. Bem sabemos que isto não pode ser evitado totalmente, mas cabe à Igreja ser uma instituição que também assuma a mensagem que transmite. Essa coerência é muito mais exigida de nós, porque estamos veiculando a mensagem eticamente realizadora da pessoa humana. Nós temos o dever maior de tentar viver esta Palavra que anunciamos, para que nossa Evangelização não seja simplesmente um “demonstrar a fé”, mas seja um “mostrar a fé”, um “falar de Deus sem falar”. O testemunho nos tempos de hoje é muito mais forte. A palavra é um ato segundo, que deve ser precedido pelo testemunho, conforme diz a Evangelium Nutiandi.

Para terminar, pediria que o senhor comentasse sobre esta experiência de lecionar aos alunos do Master em Evangelização.

Em primeiro lugar, Petrópolis eu sempre ligo com os franciscanos. Nós estamos aqui no solo, no chão onde diversos ícones de nossa Igreja viveram e trabalharam. Eu fui aluno do Frei Boaventura Kloppenburg, por exemplo, em Medellín, na Colômbia, e ele é uma das figuras de Petrópolis, assim como Frei Constatinto Koser, Frei Hermógenes Harada e, na atualidade, estes grandes teólogos aqui trabalhando, como Frei Antonio Moser e Frei Alberto Beckhäuser, na Liturgia, só para citar alguns. Quando a gente vem a Petrópolis traz junto todas estas pessoas, que a gente leu, que a gente segue de perto e fica muito agradecido por toda a contribuição que eles deram à nossa Igreja. Depois, nos tempos mais recentes, Petrópolis não deixa de ter sido um berço de uma renovação da Teologia na América Latina, e aqui nós temos toda a contribuição de Leonardo Boff, e a gente se alegra com os novos que estão chegando, pois há toda uma renovação no pensamento teológico. Isto tudo é muito gratificante, sem falar também na Revista Eclesiástica Brasiliera (REB) e na Editora Vozes, que são nossos lugares comuns de frequência praticamente diária de nossa reflexão.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
  
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